A
interpretação sustentada pelo autor quanto à possibilidade de pessoa jurídica
ser titular de EIRELI estava baseada no texto da Lei nº 12.441/11, quando da
redação do artigo. Contudo, a Instrução Normativa nº 117, de 22/11/2011, do
Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), ao aprovar o Manual de
Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, dispôs no seu item
1.2.11 que "não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica". A
juízo do autor, pelas razões expostas no artigo, a referida Instrução Normativa
inovou de maneira ilegal o conteúdo da Lei nº 12.441/11, que não distinguia
entre as pessoas que poderiam titular a EIRELI. De todo modo, enquanto mantida
a vigência da Instrução Normativa DNRC nº 117/11, as Juntas Comerciais
impedirão o registro de EIRELI tendo como titular pessoa jurídica.
A Lei nº 12.441, de 11/07/2011, alterou o Código Civil
(Lei nº 10.406, de 10/01/2002), para permitir, a partir de sua entrada em vigor
(01), a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada
("EIRELI") por uma única pessoa titular da totalidade do capital
social. Cogitada como um instrumento útil à autonomia patrimonial de negócios
até então operados na figura do empresário individual, a EIRELI provoca, nas
entrelinhas de sua conformação legal, algumas reflexões interessantes.
Primeiramente, cabe uma ponderação quanto à natureza da
EIRELI. Afinal, estaríamos diante de um novo empresário individual com
responsabilidade limitada? Ou quem sabe de uma sociedade limitada unipessoal, à
semelhança da subsidiária integral prevista na Lei das Sociedades por Ações
(Lei nº 6.404, de 17/12/1976) (02)?
Uma certeza já temos na largada. O art. 1º da Lei nº
12.441/11 é mandatório: as empresas individuais de responsabilidade limitada
são pessoas jurídicas de direito privado (art. 44, VI, do Código Civil).
Na seqüência, notamos que o art. 2º da Lei nº 12.441/11
cuidou da figura mediante a inserção do art. 980-A ao Código Civil, sob o
Título I-A, denominado "Da Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada", ou seja, entre o Título I ("Do Empresário") e o
Título II ("Da Sociedade"). Mais adiante, ao dar nova redação ao
parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil, a Lei nº 12.441/11 sedimenta a
distinção: segundo o novo comando, se a uma sociedade ocorrer a falta de
pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 (cento e oitenta)
dias, o sócio remanescente poderá requerer a transformação da sociedade para
empresário individual "ou" para empresa individual de responsabilidade
limitada.
Verificamos, portanto, que a EIRELI não é uma coisa
(empresário individual), nem outra (sociedade limitada unipessoal). Trata-se,
efetivamente, por força da norma em comento, de pessoa jurídica de direito
privado com características próprias, as quais, depreendidas do próprio texto
legal, amplificam as oportunidades de sua utilização e despertam a atenção para
vários temas inerentes à sua aplicação.
Há a exigência de um capital mínimo para a EIRELI, o qual
não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, de
acordo com o novel art. 980-A do Código Civil. Afora regulamentações
específicas (por exemplo, as normas prudenciais das instituições financeiras;
as atividades reguladas; e outras), a EIRELI passa a ser a única pessoa jurídica
de direito privado no Brasil para a qual a lei exige um capital mínimo. E não
se trata de um valor irrisório, devido à disparidade de tetos do salário-mínimo
vigentes entre as unidades da Federação. Tal exigência, se por um lado busca
proteger o credor da EIRELI, diante da função de resguardo do capital social e
da limitação da responsabilidade do seu titular, por outro lado induz a uma
utilização da figura para atividades de maior vulto, não necessariamente
aquelas do pequeno empresário que se desejaria, de início, beneficiar (03).
Ainda quanto ao capital social, parece-nos ser possível o
seu aumento ou a sua redução, uma vez que se aplicam à empresa individual de
responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as
sociedades limitadas, a teor do § 6º do art. 980-A, do Código Civil, trazido
pela Lei nº 12.441/11. Os arts. 1.081 a 1.084 do Código Civil tratam das
operações de aumento ou redução de capital na sociedade limitada. No caso do
aumento de capital, este pode ser deliberado, desde que integralizadas as
quotas e sejam observadas as preferências dos demais sócios para participar do
aumento (situação não aplicável à EIRELI, obviamente). Em contrapartida, o
capital pode ser reduzido em duas hipóteses: se, depois de integralizado, houver
perdas irreparáveis; ou se excessivo em relação ao objeto da sociedade.
Tratando-se de EIRELI, no entanto, a redução não poderá tornar o capital
inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, sob pena de
violação ao citado art. 980-A, do Código Civil.
Em relação às atividades que poderá desenvolver uma
EIRELI, em princípio, tudo aquilo que constitua o conceito de
"empresa" se subsumiria potencialmente ao seu objeto, é dizer,
qualquer atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens
ou de serviços (art. 966, do Código Civil) (04). A isso se adiciona a permissão
da própria Lei nº 12.441/11 de atribuir-se à EIRELI constituída para a
prestação de serviços de qualquer natureza a "remuneração decorrente da
cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de
que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade
profissional" (art. 980-A, § 5º, do Código Civil). Sob o conceito de
"empresa", e na ausência de outras restrições, a EIRELI poderia ser
uma alternativa para o planejamento da sucessão; para a atividade de
participação em outras sociedades (holding); e para cônjuges casados no regime
da comunhão universal de bens, que desde a entrada em vigor do novo Código
Civil não puderam mais formar sociedade de responsabilidade limitada para
desenvolver atividade econômica sem a presença de outro sócio (art. 977, do
Código Civil).
A nosso juízo, a questão mais interessante atinente à
EIRELI diz com a possibilidade de pessoa jurídica ser a sua única titular. Com
efeito, o caput do art. 980-A, do Código Civil, na redação da Lei nº 12.441/11,
refere a constituição da EIRELI por uma única "pessoa". Não
especifica se se trata de pessoa natural ou jurídica, e, como ambas são
reconhecidas como capazes de direitos e obrigações no nosso ordenamento
jurídico, não haveria motivo para excluir a possibilidade de titularidade da
EIRELI por pessoa jurídica. Afinal, onde a norma de Direito Privado não proibiu
ou restringiu, não cabe ao seu aplicador fazê-lo. A amplitude do texto sugere,
pois, a possibilidade de pessoa jurídica (que são aquelas definidas no art. 44,
do Código Civil, como as sociedades - limitadas, por ações, cooperativas - , as
associações, as fundações) ser a única titular do capital social da EIRELI. Ao
extremo, a própria EIRELI, como pessoa jurídica, poderia ser titular de outra
EIRELI. E como não há, tampouco, qualquer restrição na lei ao fato de a
"pessoa" titular da EIRELI ser nacional ou estrangeira, vislumbra-se
grande incentivo ao investimento externo, mediante a potencial constituição,
sob a forma de empresa individual de responsabilidade limitada, de subsdiária
brasileira de pessoa jurídica estrangeira, não mais dependente de um sócio
local, o que se exigia nas demais modalidades societárias até então
disponíveis.
Ressalva apenas a nova lei que a pessoa
"natural" que constituir EIRELI somente poderá figurar em uma única
empresa nessa modalidade (art. 980-A, § 2º, Código Civil). Quanto a pessoa
jurídica, nenhuma restrição. Se é verdadeiro, pois, que uma pessoa jurídica
poderá constituir EIRELI, não há limitação na lei ao número de EIRELI`s de que
a mesma pessoa jurídica poderá ser titular. Essa constatação permitiria, por
exemplo, a constituição de diversas EIRELIs no contexto de grupos de
sociedades, com a consolidação de suas demonstrações contábeis.
Há também na Lei nº 12.441/11 uma permissão para que a
EIRELI seja formada a partir de concentração de participações societárias
detidas em outra sociedade. Segundo o art. 980-A, §3º, inserido ao Código
Civil, "a empresa individual de responsabilidade limitada também poderá
resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único
sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração". Ao
referir-se a concentração de "quotas", o dispositivo exclui a
sociedade anônima da possibilidade de concentração de suas ações em EIRELI.
Porém, no caso da S.A., a lei especial já prevê a possibilidade de a companhia
ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade
brasileira, de todas as suas ações, ou por incorporação de todas as ações do
capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira (arts. 251, § 2º, e
252, Lei nº 6.404/76).
Já em relação ao caminho inverso - a conversão de uma
EIRELI já constituída em futura sociedade limitada ou por ações - , parece não
haver por que negar, em tese, essa possibilidade, embora a Lei nº 12.441/11
nada tenha expressado a respeito.
Seja como for, a possibilidade de concentração de quotas
de outra modalidade societária num único sócio, ainda que imotivada, como
previsto no referido art. 980-A, § 3º, do Código Civil, deverá merecer um exame
mais atento quanto aos direitos dos demais sócios que não titularão a EIRELI.
Por exemplo, a nova legislação não estabelece quóruns específicos ou
procedimentos para essa deliberação por parte de sociedades já existentes.
Sendo o ato de concentração interpretado como de transformação, a conclusão
mais razoável é no sentido de que a operação dependerá do consentimento de todos
os sócios atuais, na forma do art. 1.114, do Código Civil. Excepciona-se,
naturalmente, a hipótese de ausência de pluralidade de sócios, caso em que o
sócio remanescente poderá requerer a transformação da sociedade em EIRELI nos
termos do art. 1.033, parágrafo único, do Código, ou a de uma futura alteração
do ato constitutivo vir a prever a operação de concentração em EIRELI,
inclusive com o modo de avaliação das quotas concentradas em favor de um único
sócio.
Finalmente, a pergunta que vem surgindo por aqueles que
consideram a formação de uma EIRELI: qual regime tributário se lhe aplica? Há
na legislação tributária federal a regra de equiparação das empresas
individuais às pessoas jurídicas (05). Contudo, como foi anotado, a própria Lei
nº 12.441/11 incluiu a EIRELI na relação de "pessoas jurídicas de direito
privado", distinguindo-a da empresa individual. Não seria o caso de se
falar, então, em "equiparação" da EIRELI a pessoa jurídica, mas,
efetivamente, de sujeição direta dessa nova figura ao modelo tributário
aplicável às pessoas jurídicas. Não é demais lembrar que, segundo o art. 147,
I, do Decreto nº 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda), consideram-se
pessoas jurídicas, para efeito de tributação da renda, "as pessoas
jurídicas de direito privado domiciliadas no País, sejam quais forem seus fins,
nacionalidade ou participantes no capital". Assim, a tributação da EIRELI
deve, em tese, no atual contexto legal (ressalvadas alterações supervenientes),
seguir a das demais pessoas jurídicas - neste caso, daquelas com a finalidade
de lucro, pois este é essencial à própria noção de empresa.
Fonte:
http://www.sitecontabil.com.br/noticias/99.html
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